quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

#45 Reflexo

"Sabe Daniela, a vida está a chamar por si. Dá-lhe em cada momento uma oportunidade de autodescoberta. A chance de se escolher em primeiro lugar e desse modo poder desfrutar em pleno de quem é em essência. E isto não significa ser egoísta. Ser egoísta é cuidar apenas de si, dos seus interesses, vendo-se como separada de todos os outros. Julgando-se melhor que todos os outros. Procurando apenas o seu ganho, ainda que ocorra à custa do bem-estar dos restantes. Já conhecendo quem é de verdade, cuidando do amor-próprio. Irá descobrir que tudo aquilo que julgava lhe faltar na verdade não falta, já é tudo aquilo que poderia desejar ser. Nada lhe falta, apenas uma ilusão de falta pode ocorrer. Mas mesmo essa ilusão serve para que possa despertar e valorizar ainda mais tudo aquilo que é e desfrutar em pleno a vida tal como ela é, tal como você é. Tal como cada ser humano é. Todos um em essência."
"Eu acredito naquilo que me diz, sobre quem sou, e acredito porque sinto que assim é. No entanto não posso ignorar tudo isto que se passa dentro da minha mente. Todos estes pensamentos, todas estas dúvidas que se adensam. Por cada resposta que julgo encontrar, muitas mais questões se levantam. Qual o significado de tudo isto? Porque é que a minha vida tem sido o que tem sido e qual o meu papel em tudo isto? São questões que me sobressaltam. Que me inquietam. Encontrarei alguma vez resposta a estas dúvidas. Poderei ter paz na minha vida?"
Respirando fundo lentamente, Ricardo respondeu de seguida:
" Todas essas dúvidas e a constante atenção que lhe atribui são a razão pela qual ainda não vislumbrou as respostas que procura. É essa procura que representa o maior obstáculo a encontrar a paz que refere querer para a sua vida. Toda a energia que despende em redor dessas questões poderia ser canalizada para permitir que a verdade que é se revelá-se, para que o autoconhecimento se torne no centro da sua atenção. Desse modo iria tornar consciente que já é tudo aquilo que procura ser. Que a paz que lhe parece faltar, já reside em si. É parte da sua essência. E que é anterior a todas as manifestações que borbulham no espaço aberto de consciência que é. Toda esta agitação interna projeta-se na realidade tida como externa e desse modo desvia-se a atenção do interior para as condicionantes externas. Entretendo-se em lidar com aquilo que acontece exteriormente sem lidar com a origem de todos esses efeitos. Isso acontece com a generalidade dos seres humanos. Enquanto vamos lidando com os acontecimentos externos estamos apenas a lidar com os efeitos e desse modo ignorando as causas que produzem esses efeitos. Só lidando com as causas, com as origens poderemos realmente lidar com os efeitos que dai resultam. E para lidar com as causas só indo dentro de nós o poderemos fazer. Nós somos as causas daquilo que ocorre na nossa realidade, esta é uma projeção do que ocorre dentro e depois se vê refletida fora." Olhando a Daniela nos olhos, continuou dizendo, " Isto não significa que somos culpados por aquilo que nos acontece. A questão aqui não é a culpa, mas sim responsabilidade. Somos responsáveis pelo que acontece na nossa vida. E responsável quer dizer, capazes de responder. Numa primeira fase enquanto não temos a plena consciência de sermos a causa daquilo que acontece na nossa vida, é importante sermos responsáveis pela mesma. Ou seja independentemente do que aconteça o que releva mais é a forma como reagimos ao que acontece. É a nossa resposta que ditará o que de bom ou mau iremos extrair daquilo que acontece."
" Está a dizer que fui responsável pela doença da minha irmã?"
" A Daniela não é responsável pela doença da sua irmã, isso tem a ver com a experiência dela enquanto humana. Aquilo que é sua responsabilidade é a forma como reage ao facto de a doença da sua irmã fazer parte da sua experiência humana. Aquilo que retira dessa situação. Pode escolher ignorar, fugir da situação, porque é difícil, porque lhe causa desconforto, dor. Ou pode escolher aprender aquilo que essa situação lhe está a ensinar. Pode-se permitir ver para lá da doença, porque a sua irmã em essência é una consigo, é perfeita como é. O que que seja a sua opção será a perfeita porque será aquela que estará preparada para tomar. No entanto a vida não desiste de si, nem de ninguém e aquilo que tiver de aprender, de experienciar ser-lhe-à dado a viver. Seja desta forma seja de outra forma qualquer."
" Sendo honesta direi que tenho escolhido mais evitar lidar com a situação do que olhá-la de frente. Creio que é o medo de que me aconteça o mesmo. Que eu perca a noção da realidade, de quem sou. E mergulhe num mundo irreal, imaginário. Aquilo que fiz em relação a esta situação foi tornar-me mais controladora de mim mesma. De certo modo evitando tudo o que pudesse mexer comigo emocionalmente. Procurando uma certa normalidade. Normalidade essa que por vezes mais parece um deixar de viver, como medo das emoções, com medo de sofrer e fazer sofrer os outros que me rodeiam." Desabafou a Daniela. Sentindo um certo alívio por puder dizer o que sentia livremente, sem receio de ser criticada, de ser julgada como má pessoa. Perante o Ricardo ela sentia essa liberdade. Sentia essa abertura de espírito para deixar cair todas as máscaras e ser apenas ela.

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